O Palhaço e a Bailarina
O Palhaço só tinha olhos para ela. Por sua vez, às vezes ela notava sua presença. Dias e noites, seus olhos rodavam perdidos por entre as assassinas curvas daquele percurso sem acostamento ou seguro de vida. Pernas, seios, cintura, lábios. Que lábios! Vermelhos, quentes e inquietos, desdobrando-se em sorrisos e choros contidos. E por entre esses inquietantes dotes, a Bailarina seguia, sempre aos rodopios, tal qual a incerteza de sua vida. Com a loucura pertinente unicamente aos apaixonados, ele decidiu entregar-lhe seu coração. E lá se foi, escorado em passos falsos e tropeços mantidos pela base débil de suas pernas trêmulas, parando, enfim, pouco a frente da jovem. Com as mãos no bolso, esmagava seu coração por entre os dedos perante o calor frio que ela propagava pelo ambiente. Um gole seco, um vacilo, um impulso, e estava feito. Com os braços estendidos, ele mantinha seu coração sobre suas mãos espalmadas. Era, de fato, um coração belo, mas, como o dono, fraco e desarmônico. A Bailarina encarou-o atônita, tomada por uma surpresa superficial e mecânica, sendo, portanto, logo precedida pela indiferença. Afinal, era só um palhaço. Noites vieram, dias passaram, e o Palhaço passou todo o tempo buscando uma forma de colocar um ritmo em seu coração para conquistá-la. Procurou a ajuda da Cartomante, mas seu futuro era incerto, e a previsão cara demais. Correu ao Mágico, mas tudo acabou em truques e espelhos. Abriu-se ao Domador, contudo, descobriu que um coração é uma fera deveras geniosa para ser levada no chicote. Desiludido, ao perambular pelos arredores do circo, encontrou uma antiga tenda onde se guardavam os velhos equipamentos da caravana. Ao entrar na penumbra arroxeada da lona, deparou-se com um velho tambor que outrora havia sido usado na fanfarra do circo, e decidiu tomá-lo como ferramenta para domar seu coração. Tum. Tumtum. Tumtumtum. Tum.
A cada batida, o sustento da esperança mantinha o papel de mascarar as dores no pulso e as fisgadas nas costas, decorrentes do peso do instrumento e da exaustão. E essa foi a rotina do Palhaço, até que, certo dia, conseguiu colocar em seu coração uma serenata de amor. Correu então, tropeçando em seus longos pés, para entregar seu coração compassado à Bailarina. No entanto, chegando ao picadeiro, a surpresa foi grande: sua amada havia se entregado ao Atirador de Facas. Calorosos lábios, fôlegos e mãos se trombavam no centro do circo. O Palhaço apertou seu coração em suas mãos trêmulas e escondeu-o dentro de seu bolso, em uma triste tentativa de também sumir com a dor. Em seguida, retirou-se perdido rumo à direção nenhuma. Assim era a Bailarina. Sempre a procura de adrenalina em suas veias e uma dose extra de testosterona em seu corpo. A cada faca lançada, uma explosão de sentimentos. E é justamente esse misto de insegurança e de incerteza que desperta o desejo da jovem pelo grande Atirador. Assim, ela o seguirá cegamente por todo sempre. Ela o ama. Ele, contudo, a tem. Para um atirador, mulheres são como facas, e não se pode limitar-se a apenas uma. Algum dia, ele sairá com outras bailarinas, atingirá outros alvos e aumentará sua coleção. Ela provavelmente saberá de algumas dessas peças, mas bastarão alguns arremessos nos alvos corretos para reacender a paixão, fechar a boca e cegar a razão novamente. Haverá dias em que a Bailarina rodopiará aos prantos, em outros, manterá o sorriso forçado para a platéia e, em algumas raras manhãs azuis, será verdadeiramente feliz. E assim seguirá em sua dança, sustentando na ponta dos pés a tão utópica esperança de dominar a natureza de seu homem, provando-se, desta forma, a melhor das bailarinas. Enquanto isso, o Palhaço segue perdido em seus pensamentos e caminhos, colocando em seu coração um tango argentino.
Um abraço a todos,
— Manu Lopes